Foto: Rafael Luz (STJ)
Julgamento do recurso especial ocorreu em Brasília
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a anulação do júri do Caso Kiss. Com isso, os quatro réus, Mauro Hoffmann, Elissandro Spohr, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, continuam em liberdade. O novo julgamento foi marcado para novembro deste ano, assim que terminada a sessão. No entanto, no fim desta terça-feira (5), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul divulgou que a data será remarcada.
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O relator do processo na corte, ministro Rogerio Schietti Cruz, havia votado pela validade do recurso em 13 de junho deste ano. Na época, dois pedidos de vista adiaram a continuidade do julgamento.
Nesta terça-feira (5), na retomada da sessão, os ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro não reconheceram o recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). O desembargador convocado Jesuíno Aparecido Rissato considerou válidas duas nulidades, dando provimento parcial ao recurso. Já a ministra Laurita Vaz avaliou uma nulidade como válida e afastou as outras três alegações das defesas.
Assim, por quatro votos a um, a sexta turma do STJ não reconheceu o pedido do MPRS e manteve a anulação do júri de dezembro de 2021.
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A retomada do julgamento
A continuidade da discussão do STJ sobre o recurso especial do Caso Kiss começou às 13h16min desta terça-feira (5) e durou menos de uma hora. A corte seguiu debatendo se as nulidades apresentadas pelas defesas dos réus eram válidas ou não.
As nulidades em debate
- Sorteio de jurados (três ao invés de apenas um)
- Reunião reservada entre juiz e os jurados (sem a presença dos advogados de defesa)
- Formulação de quesitos (perguntas) pelo juiz aos jurados que geraram dificuldade de compreensão
- Inovação nas alegações (teoria da cegueira deliberada) do Ministério Público durante o júri (nulidade alegada apenas pela defesa de Mauro Hoffmann)
O primeiro ministro que se pronunciou foi Antonio Saldanha Palheiro. Durante a leitura do voto, Palheiro ressaltou que as quatro nulidades são válidas, apresentando, assim, divergência da posição do ministro relator, Rogerio Schietti Cruz. Com relação ao sorteio dos jurados, o ministro afirmou que as circunstâncias do júri não foram suficientes para justificar o “exacerbado” número de jurados.
– Jamais qualquer sorteio poderia ter sido realizado em prazo superior ao estabelecido em lei. Não houve proporcionalidade do tempo entre a formação das listas e o julgamento, pois embora ampliado o número de jurados não houve ampliação do tempo para investigação pela defesa, demonstrando o seu efetivo prejuízo – mencionou.
Sobre a reunião reservada entre juiz e jurados, o ministro indicou que não há preclusão. Palheiro considerou que a nulidade da formulação dos quesitos é absoluta (ofende normas de ordem pública, questão mais grave, portanto, e que pode gerar grandes prejuízos à defesa ou acusação). Sobre a nulidade da inovação das acusações pelo MPRS, o ministro reiterou que a fala do procurador sobre a tese da cegueira deliberada durante o júri pode ter influenciado os jurados.
Em seguida, o ministro Sebastião Reis Júnior deu voto desfavorável ao recurso, considerando as quatro nulidades válidas. Para ele, o sorteio dos jurados ocorreu em número “muito superior” e em desacordo com o prazo legal, causando “prejuízo evidente” à defesa. O ministro ainda destacou que a reunião reservada entre juiz e jurados lhe gerou incômodo, sendo uma ação “completamente irregular” e anômala.
– Também não vejo como afastar o fato de que o Ministério Público durante debate ter apresentado argumento novo (cegueira deliberada), que inovou os limites da acusação. Não há como exigir a demonstração pela defesa do prejuízo de tal argumento, considerando que os jurados não podem supor as razões da sua convicção. Exigir que a defesa demonstrasse que tal argumento foi preponderante para a condenação seria exigir dos mesmos uma prova impossível – disse o ministro sobre a nulidade da inovação nas alegações.
Sobre a nulidade dos quesitos, Reis acompanhou o ministro Palheiro, afirmando que é absoluta e não há preclusão.
Na sequência, o desembargador convocado, Jesuíno Aparecido Rissato, apresentou provimento parcial ao recurso especial, já que avaliou que duas nulidades eram válidas (encontro entre juiz e jurados; e formulação de quesitos) e as outras duas não poderiam ser confirmadas (sorteio dos jurados e inovação nas alegações).
Para o ministro, o sorteio de jurados não causou prejuízo para a defesa. Rissato ainda comentou que a alusão à tese de cegueira deliberada pelo procurador do MPRS durante o júri também não influenciou a decisão dos jurados. Com relação às outras duas nulidades, o ministro salientou que são absolutas:
– Não há registro e ninguém sabe o que foi tratado nessa reunião secreta (entre juiz e jurados). Como essa corte é de precedentes, não podemos admitir que, em qualquer comarca e juízo deste país, o presidente do Tribunal do Júri resolva suspender o júri para ter uma reunião a sós com os jurados, sem a participação das partes envolvidas.
Entendo que essa nulidade é absoluta, de ordem pública, portanto, não se aplica preclusão, nem prejuízo presumido. Quanto aos quesitos, também concordo com a divergência, equivale a uma nulidade absoluta.
Por fim, a ministra Laurita Vaz reiterou que afasta as nulidades do sorteio dos jurados e da inovação das alegações porque não causaram prejuízos para a defesa. Com relação à reunião reservada entre juiz e jurados, a ministra disse que, apesar de não ter previsão em lei, a ausência de manifestação das defesas deu motivo para preclusão.
– Em que pese tenha acompanhado o voto brilhante do eminente relator, não vejo como superar a nulidade que afeta a formulação dos quesitos. Consoante destacou o ministro Antonio Saldanha em seu voto divergente, os quesitos incorporaram elementos fáticos que haviam sido retirados da pronúncia, apesar da determinação que não fossem inseridos. As afirmativas foram tidas como excesso de acusação porque as provas produzidas na primeira fase não foram suficientes para corroborar, minimamente, as imputações de que Elissandro e Mauro teriam ordenado aos seguranças impedir a saída das pessoas sem pagar as despesas de consumo, e de que Marcelo e Luciano poderiam ter utilizado o sistema de som para alertar os presentes, mas optaram por não fazê-lo. No entanto, a despeito da explícita exclusão de tais imputações, os jurados foram questionados acerca desses fatos, que, segundo a corte estadual, acrescentavam sordidez à ação dos agentes, sem respaldo probatório – divergiu a ministra.
Os próximos passos
O MPRS pode, ainda, tentar reverter a decisão no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque, após a anulação do júri, em agosto de 2022, o MPRS ingressou com recurso especial no STJ e, ao mesmo tempo, entrou com recurso extraordinário no STF questionando a decisão do TJRS. Paralelamente a isso, data foi marcada para novembro, mas teve alteração pelo Tribunal de Justiça.
– Se mantendo a decisão do TJRS, temos que ter (agora) o novo julgamento pelo júri em que pese o Ministério Público também tenha ajuizado um recurso extraordinário. Ao mesmo tempo em que temos um prosseguimento do processo com o (novo) júri, esse processo também continua tramitando no STF, outra corte que discutirá as questões que o MP suscitou – explica o advogado Guilherme Pittaluga.
Entenda
O incêndio
O incêndio aconteceu em 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. Morreram 242 pessoas e outras 636 ficaram feridas.
O júri
Os quatro réus foram condenados no júri que durou 10 dias e ocorreu no Foro Central I, em Porto Alegre, em dezembro de 2021. Os sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr tiveram pena de 19 anos e 6 meses e de 22 anos e 6 meses, respectivamente. Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, vocalista e roadie da banda, que tocava na boate na noite do incêndio, tiveram pena de 18 anos.
Após o resultado, as defesas recorreram, afirmando que houve várias nulidades durante o processo.
Anulação
O pedido dos advogados foi analisado em 3 de agosto de 2022 pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Por dois votos a um, os desembargadores do TJRS entenderam que três nulidades eram válidas, anulando, assim, o júri de 2021. Os quatro réus, que tinham sido condenados e cumpriam penas desde dezembro de 2021, foram soltos.
Depois disso, quem recorreu dessa decisão foi o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Em fevereiro deste ano, o MPRS submeteu um recurso especial ao STJ. O recurso especial é sempre dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. No recurso especial do Caso Kiss, o MPRS estava questionando a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
O julgamento do recurso especial
No dia 13 de junho deste ano, o STJ começou o julgamento do recurso especial. Na oportunidade, o ministro relator, Rogerio Schietti Cruz, destacou que nulidades precisam de comprovação de descumprimento de norma e um prejuízo para a defesa, não devendo se basear em argumentos “meramente retóricos”, mas sim em razões plausíveis.
O ministro comentou cada uma das nulidades, afirmando que todas eram inválidas em função de não ter causado prejuízos aos réus ou de serem atingidas pela preclusão (perda de prazo de manifestação pelas defesas).